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9 de mar. de 2011

O injustiçado Galo Véio

Era uma vez, em um certo país da América Latina... Dia 2 de janeiro, outra vez. O baixote robusto abre os dois lados da ampla janela que dá para a confortável varanda "pois só assim se pode ver o horizonte por inteiro". O sol radiante lhe dá nos olhos... "Caraca, hoje ele nem esperou por mim" - pensou expedito, deixando cair a ficha filosofal em seguida: "quando o cara é ex-qualquer coisa, já não apita mais nada"!

Respirou fundo, espreguiçou-se, emitiu ruídos espúrios e sorrindo amarelo, sentiu-se bem mais pesado do que sua coluna vertebral ainda podia suportar: "Cacete! Lá se foram oito anos"!

Para ele, parecia que tinha sido ontem a cerimônia de passagem da faixa de campeão da popularidade para o poste que foi posto em seu lugar.

Tá bom, isso é bobagem. Tinha coisas mais importantes para tratar. Por exemplo, o que faria daqui pra frente? Tinha de tudo, não precisava de mais nada. Ou será que um time completo de caminhões de mudança para transportar bens móveis e bem-havidos é pouco?

Por exemplo, tinha que pensar no que fazer a partir de agora que estava desempregado, sobrevivendo com apenas três ou quatro aposentadorias - talvez menos, ele nem se lembrava mais, embora soubesse que tinha uma precoce por acidente de, digamos, percurso - porque de trabalho, é pouco provável que o tenha sido. Sabia também de uma tal de bolsa anistia, por cadeia política que pegou por longos e tenebrosos alguns dias no tempo da Redentora.

"Orra meu, depois de ser presidente, vou querer ser o quê na vida"? - perguntava-se o galo véio que nem tinha cantado naquela manhã e o sol, assim mesmo, já nascera, exibido e colorido como ele só.

No fundo, no fundo, ele achava uma injustiça ter sido obrigado a largar o osso um dia atrás, carregando nas costas a mochila com mais de 80% de popularidade. Aí, caiu a ficha de novo: "Bolas, pra quê 80% de preferência popular se eu tive que entregar o Palácio assim sem mais nem menos, numa boa, para uma criatura que, pobre neófita, está apenas começando agora? Pra quê 80% de cartaz se, por exemplo, eu fosse qualquer um ou qualquer uma com menos de 10%, quatro ou cinco que seja,  teria que entregar a boca-rica do mesmo jeito e feitio?"... Isso sacudia o seu ego pra tudo quanto era lado da varanda.

"Isso é uma injustiça, uma enorme desigualdade social"! - vociferava para suas próprias e orgulhosas entranhas. "Quero isonomia"! - bradava.

No íntimo ele pensava de verdade que só deveria entregar a cadeira da presidência da república que ele inventou, para alguém que - como ele - tivesse também mais de 80% de popularidade. Mesmo que numa disputa dessas, a progressão aritmética e a matemática pura não conseguissem colocar 160% dentro de apenas 100.

Não perdeu tempo com essas besteiras. Já era 2 de janeiro de 2011. Faltava menos do que ontem para chegar a 3 de outubro de 2014. Os anos voam.

Encarou uma vez mais o sol, deu-lhe as costas, arrastou os chinelos com pés de veludo vermelho e foi até o telefone da sala de estar. Preferiu aquele, em cima da mesinha rococó que ganhou lá da Índia, ou coisa que o valha. Era mais seguro que um dos seus oito ou dez celulares:

- Alô, é do meu partido? Diz aí que eu vou voltar a ser seu presidente de honra. Sim, sim... quero mais de 22 mil de salário mensal.